SISTEMAS DE PRODUÇÃO DE GADO DE CORTE PREDOMINANTES NO BRASIL

13-01-2011 19:18

 

Entende-se por sistema de produção de gado de corte o conjunto de tecnologias e práticas de manejo, bem como o tipo de animal, o propósito da criação, a raça ou grupamento genético e a ecorregião onde a atividade é desenvolvida. Devem-se considerar, ainda, ao se definir um sistema de produção, os aspectos sociais, econômicos e culturais, uma vez que esses têm influência decisiva, principalmente, nas modificações que poderão ser impostas por forças externas e, especialmente, na forma como tais mudanças deverão ocorrer para que o processo seja eficaz, e as transformações alcancem os benefícios esperados. Permeando todas essas considerações, devem estar a definição do mercado e a demanda a ser atendida, ou seja, quais são e como devem ser atendidos os clientes ou consumidores.


 Assim, torna-se evidente que o estabelecimento, e/ou a adequação, de um determinado sistema de produção não depende unicamente do desejo do produtor, mas está, intimamente, relacionado com as condições socioeconômicas e culturais da região e da sua possibilidade e/ou capacidade de promover investimentos. Outro aspecto decisivo é a necessidade de que o sistema seja estruturado com base em objetivos bem definidos que, ao serem estabelecidos, devem levar em conta as demandas do mercado consumidor. 

Considerando-se que no Brasil há tremenda diversidade em todos esses aspectos mencionados, considerando-se, ainda, o fato de que a atividade tem de ser, antes de mais nada, um empreendimento econômico, e como tal, deve gerar lucros como premissa básica para que se desenvolva e prospere, pode-se concluir que no Brasil, dificilmente, existirá um sistema de produção de gado de corte único. Assim, o uso isolado ou combinado das tecnologias disponíveis deve ser analisado dentro de cada contexto particular. Essa visão integrada é também de fundamental importância no próprio desenvolvimento de novas tecnologias. 

Entretanto, os cenários globais presentes e previsíveis permitem afirmar que a pecuária de corte brasileira tem grandes possibilidades de se estabelecer como atividade competitiva nos mercados nacional e internacional, podendo ser, em muitas situações, conduzida em sistemas altamente intensivos, competitivos, sustentáveis e economicamente viáveis.

No Brasil, os sistemas de produção de carne bovina caracterizam-se pela dependência quase que exclusiva de pastagens. À exceção da região Sul, ou seja, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e sul do Paraná, em todas as demais, as forrageiras predominantemente utilizadas são tropicais. Dentre essas destacam-se as cultivares dos gêneros Brachiaria e Panicum. 

Enquanto o fato de se fundamentar em pastagens resulta, por um lado, em vantagem comparativa por viabilizar custos de produção relativamente baixos; por outro, a utilização exclusiva dessa fonte de alimentação tem, nesse momento em que as competitividades por preço e por qualidade de produto impõem mudanças no setor, se apresentado bioeconomicamente inviável em muitas situações. Isso é agravado, principalmente, pela forma como essas pastagens são manejadas. 

O problema da sazonalidade da produção forrageira é conhecido e intensificado pelo fato de as forrageiras tropicais, mesmo no período das chuvas, não serem capazes de produzir, por muito tempo, alimento com qualidade que possibilite o atendimento das exigências para crescimento dos animais, em especial, aqueles de alto potencial genético. Assim, as gramíneas mais cultivadas, apesar de produzirem grande quantidade de material forrageiro durante o período das águas, apresentam um período muito curto no qual a forragem por elas produzida apresenta qualidade capaz de possibilitar desempenhos compatíveis com a necessidade requerida para se manter sistemas competitivos de alta produção. 

A duração desse período varia dependendo da região e das condições de manejo geral do sistema de produção, mas em qualquer situação, esse período é inferior à duração da estação de chuvas  (Euclides & Euclides Filho, 1998). No restante da época chuvosa, e principalmente, durante o período seco, além da redução verificada na quantidade de matéria seca produzida, ou mais adequadamente segundo Euclides et al. (1993a,b), redução na quantidade de matéria verde seca (MVS), há decréscimo acentuado em sua qualidade. 

Tal situação pode ser amenizada ou mesmo melhorada com o uso de estratégias de manejo, envolvendo alternativas diversas, as quais poderiam englobar uso diferenciado de sistemas de pastejo; fertilização, tanto direta quanto por meio de rotação de culturas; irrigação; uso de consorciação com leguminosas e uso de espécies de gramíneas mais adequadas. 

Em contraposição, existe uma demanda cada vez mais crescente que se traduz na necessidade de se produzir de forma econômica, eficaz, eficiente e competitiva. Tal exigência engloba a tendência inexorável de intensificação. Isso não quer dizer, no entanto, que a intensificação será total, nem tampouco, no mesmo nível nas diversas regiões. Além disso, ela não será um processo a ser desenvolvido somente nos sistemas de produção, mas sim, uma necessidade que deverá permear os diversos segmentos componentes da cadeia produtiva. 

O atendimento dessa demanda ampla de melhoria de eficiência será alcançado pelos sistemas de produção de gado de corte de diversas maneiras, dentre elas o desenvolvimento de sistemas especializados nas diferentes fases até a produção de carne com marca, passando pelo uso de animais de alto potencial genético em sistemas, envolvendo pastagens adubadas com pastejo rotacionado, suplementação alimentar em pasto e confinamento.

Apesar de se poder prever, conforme mencionado por Euclides Filho (1996), que haverá especialização de sistemas para as diferentes fases da pecuária, quais sejam: cria, recria e engorda, e que em alguns casos a recria será eliminada, a maioria hoje envolve as três fases (Fig. 1). Qualquer que seja a situação, no entanto, o uso de tecnologias será responsável por incrementos importantes nos índices zootécnicos do rebanho (Tabela 1). 



Fig 1. Estrutura do sistema completo de produção de bovinos de corte no Brasil.

  ...
 

Tabela 1.
Índices zootécnicos médios do rebanho brasileiro e em sistemas envolvendo cria, recria e engorda com uso mais intensivo de tecnologia
Índices
Média 
Brasileira
Sistemas melhorados
1*
2*
Natalidade (%)
60
70
80
Mortalidade até a desmama (%)
8
6
4
Taxa de desmama (%)
55
66
77
Mortalidade pós-desmama (%)
4
3
2
Idade à primeira cria (anos)
4
3
2
Intervalo entre partos (meses)
20
<17
<15
Idade média de abate (anos)
4
3
2
Taxa de abate (anos)
17
20
35
Peso médio de carcaça (kg)
210
230
240
Rendimento de carcaça (%)
53
54
57
Taxa de lotação (an. / ha)
0,9
1,2
1,6
Quilograma de carcaça/ha
34
53
80
* Refere-se a estimativas desenvolvidas com base em observações feitas com produtores e em experimentos que se encontram em andamento.
Fonte: Modificado de Zimmer & Euclides Filho (1997).

Além disso, em razão das variações ocorridas nos preços de insumos e naqueles do produto terminado, boi gordo, nos últimos anos, a relação de troca (Tabela 2), conforme discutida por Zimmer et al. (1998), tornou-se desfavorável e com isso, tornar-se-ão inviáveis, em muitos casos, os sistemas de produção que permanecerem com níveis tecnológicos e de produtividade baixos.

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Tabela 2.
Relação de troca de boi gordo ou arrobas de carne 
por equipamento ou insumo agrícola
Relações
Períodos
1980/1990
1988/1996
Bois/trator de 61 hp
41,40
69,10
Arroba de carne/t de calcário
0,70
0,73
Número de doses de vacina aftosa/@ carne
80,30
34,40
Sacos de sal mineral/boi gordo
142,50
129,20
Rolos de arame/boi gordo
10,70
11,40
Bezerros/boi gordo
3
2,30
Arrobas de carne/salário mínimo
4,30
3,60
Fonte: Zimmer et al. (1998)

No sistema 1 (Tabela 1), além de se utilizar suplementação alimentar em pasto durante o período seco, parte das pastagens é recuperada anualmente e outra, recebe adubação de manutenção como forma de manter altos níveis de produtividade. No sistema 2, a maioria dos animais recebe suplementação alimentar em pasto e é terminada em confinamento. Nesse caso, além dos investimentos para produção de volumosos e grãos, faz-se necessário, nas pastagens, que se utilizem mais intensivamente, corretivos e fertilizantes.

Hoje, considerando-se isoladamente as fases da pecuária de corte conduzidas na forma tradicional, em sistemas de produção considerados como representativos da média, pode-se concluir, após análises de benefício/custo, que a cria se constitui na atividade de menor rentabilidade, além de ser aquela que apresenta o maior risco. Todavia, é importante ressaltar que também é ela que sustenta toda a estrutura subseqüente, portanto, toda inversão que nela se fizer, e resultar em aumento de eficiência, resultará não só em sua consolidação, mas também em benefício de toda a cadeia produtiva da carne bovina.

Para estudar essa situação, Martins (1998) desenvolveu algumas simulações cujos resultados 
(Tabela 3) possibilitaram ter-se uma idéia da importância dos índices e/ou do nível tecnológico/administrativo do sistema de produção sobre a rentabilidade do empreendimento. (Martins1)
.

Tabela 3.
Comparação de custo operacional e análise de renda em sistemas tradicionais com baixo nível de inversão financeira e tecnológica
Sistemas
Custo operacional
*
Custo operacional 
efetivo
**
Custo operacional
total
Receita bruta
Resíduo para remunerar
***
Completo
29.744
24.364
54.109
56.668
2.550
Cria
31.700
24.364
56.124
53.383
-2.741
Recria
136.211
24.364
160.575
176.368
16.793
Engorda
146.052
24.364
170.416
174.708
4.291


Fonte: Martins (1998). Base outubro/1997 igual a 100.
* Insumos, administração, impostos, aquisição e venda de animais.
** Depreciação de máquinas, equipamentos e benfeitorias; e mão-de-obra familiar.
*** Terra, capital e empresário.

Todos os sistemas simulados podem ser considerados tradicionais, com baixo nível tecnológico, e representam, segundo o autor, sistemas médios do Brasil Central Pecuário. Foram todos desenvolvidos em propriedade com área de 1.464 hectares, com 1.171 hectares de pastagens. O número de animais e, conseqüentemente, o número de Unidades Animais (UA) variaram de acordo com o sistema (cria, recria, engorda ou cria/recria/engorda) e com a estação do ano. 

Assim, o número de animais foi de 1.235 durante as águas e 863 no período seco, para o sistema de cria; 1.986 e 1.315, para o de recria exclusiva; 1.233 e 820, para o sistema de engorda e 1.202 e 912, para o sistema completo de cria/recria/engorda. Em todos os casos, esses números eqüivaleram a 0,76 UA/ha e 0,70 UA/ha, nos períodos chuvoso e seco, respectivamente. 

Esses resultados permitem concluir que a sobrevivência do setor depende da melhoria dos índices zootécnicos do sistema, e que ênfase especial deve ser dada à fase de cria. Pela análise dessas simulações fica claro que no Brasil, para que essa demanda seja atendida e os sistemas de produção voltados exclusivamente para cria sejam rentáveis, é necessário aumento da eficiência.

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